Auto da lusitania
Fragmento:(linguagem original - 1532)
Entra hum cortesão e diz:
Cor: Vosso pae he ca, senhora?
Led: Que lhe quereis vós dizer?
Cor: Pregunto a vossa mercê.
Led: Per hi sahio elle fóra A arrecadar não sei que.
Quereis-lhe algua coisa?
Havei-lo
mister, senhor?
Cor: Tem elle muito lavor?
Led: De ventura não repoisa
Nem sossega o peccador.
Cor: Vossa mãe he tambem fora?
Led: Mas em cima está cosendo
E eu ando isto fazendo.
Cor: Não devia tal senhora
Como vós andar varrendo,
Senão enfiar aljofre
E perlas orientaes,
Não sei como isto se sofre.
Led: Minha mãe tem no seu cofre
Duas
voltas de coraes.
Cor: Senhora, sam cortesão,
E da linhagem d’Eneas,
E por vossa inclinação
Folgára de ser d’Abrahão
O sangue de minhas veas. Mas vosso e não de ninguém
He tudo o que está comigo,
E
quero-vos grande bem.
Led: Bem vos queira Deos amen:
Quereis outra coisa, amigo?
Cor: Temo muito que me leixe
Vosso amor pobre coitado
De favor com quem me queixe.
Led: Lançae na sisa do peixe,
E logo sois remediado.
Cor: Não falo, senhora, disso,
Por que eu me queimo e arco Com dores de coração.
Led: Muitas vezes tenho eu isso:
Diz
MestrAires que he do baça.
E reina mais no verão.
Cor: Mas, senhora, por amar
Fiz minha sorte sugeita,
E perdi a mais andar.
Led: Crede, senhor, que o jogar
Poicas vezes aproveita
Dom Senegal Saborido,
Que
tinha tanta fazenda,
Por jogar está perdido,
Que não tem o dolorido
Nem que compre nem que venda.
Cor: Ó doce frol antre espinhas,
Crede o amor sem mudança
Que vos tenho e que vos digo.
Led: Assi huas primas minhas
E toda esta vezinhança
Todos tem amor comigo:
Dom
Isagaha Barabanel
E Rabi Abram Zacuto,
O Donegal Coronel,
E Dona
Luna de Cosiel,
E todos me querem muito.
Cor: