Antropologia

36904 palavras 148 páginas
"A negligência da arte por parte da moderna antropologia social é necessária e intencional, e deve-se ao fato de que esta é essencialmente, constitutivamente, antiarte". Eis como Alfred Gell (1992:40) interpreta a difícil relação teórica e institucional da antropologia com a "arte". Para o autor, essa relação não revela meramente um modismo temático, mas uma verdadeira incompatibilidade entre os critérios centrais nas duas ordens de fenômenos consideradas: o relativismo cultural e o universalismo estético.

É inegável que a trajetória teórica da antropologia, enquanto saber específico, levou-a a "esquecer" a cultura material de modo geral e as "artes" em particular, considerando-as como objetos de preservação museológica e reservando a ambas um lugar menor na estratégia teórica da disciplina. Esse esquecimento não é um fato episódico desprovido de maiores implicações (cf. Forge 1973), pois aponta para a relação a um só tempo problemática e constitutiva entre a(s) perspectiva(s) antropológica(s) e o domínio específico da arte e da cultura material (cf. Clifford 1988a).

Esclareço, todavia, que o objetivo deste artigo não é o mapeamento de todos os desdobramentos teóricos e/ou institucionais dessa relação. Tangenciando, indiretamente, o limite entre o esquecimento e a incompatibilidade, meu objetivo é indagar por que a arte e a cultura material, que serão consideradas de maneira episódica pela antropologia posterior, não só ocupam o centro da obra de Franz Boas (1858-1942), mas revelam-se estratégicas do ponto de vista de seu projeto teórico e de sua trajetória institucional. Trata-se, assim, de investigar, no âmbito da perspectiva teórico-metodológica do autor, o que essa experiência da materialidade associada à cultura, que encontra em Primitive Art1 a sua forma mais acabada, supõe.

Como ponto de partida, portanto, é preciso esclarecer o estatuto que Boas atribui à arte, especificamente à arte primitiva, enquanto tema teórico. A esse respeito, destaco,

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