O reporter de três cabeças
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O Repórter de Três Cabeças Tenho 20 anos e acabo de me tornar repórter policial. O chefe de redação, Sr. Azevedo, me convoca para minha primeira reportagem. Numa favela carioca, moradores ateiam fogo a um homem, acusado de matar a pauladas o filho adolescente. O assassino, com braços e tórax derretidos pelo fogo, ocupa um leito de hospital público, mas não corre risco de vida. Na favela, o coração destruído, sua mulher vela o filho morto. Vou primeiro ao morro. É um crime pequeno, um episódio na vida de gente comum. No barraco, encontro apenas um velho fotógrafo de A Notícia que - com a frieza de um açougueiro experiente - escolhe as imagens mais repugnantes. ‘ Meu marido é um cachorro’ , a mulher grita. ‘ Um bicho!’ Olho o corpo do rapaz, lustroso como um boneco de cera, a cabeça enrolada em bandagens imundas, o rosto borrado por placas roxas. ‘ Ele matou meu filho por nada’ , a mulher continua. ‘ Matou como se fosse um rato’ . Encho-me de ódio. Ao chegar ao hospital para ouvir o assassino, pois as normas do jornalismo exigem sempre os dois lados das histórias, trago o espírito arreganhado. Largado em uma enfermaria obscura, o homem parece uma sombra de homem. Uma nódoa na paisagem. ‘ Por que o Sr. fez isso?’, pergunto, mal conseguindo encará-lo. O homem tem os olhos parados, como pérolas sujas esquecidas no fundo de uma gaveta, e não pára de tremer. Insisto: ‘ Por quê?’ Ele me olha e diz: ‘ Ele me odiava porque eu sou só um lixeiro.’ Ergo a voz e, em tom de reprimenda, digo que isso não é motivo suficiente para matar. O homem suspira. Depois diz: ‘Ele roubava meu dinheiro e, enquanto eu carregava lixo, ia para a cama com minha mulher.’ Julgo ouvir um ruído vago, mas tenebroso, como se o teto da enfermaria começasse a desabar sobre mim. Não consigo dizer mais nada. Saio. Na redação, o Sr. Azevedo ordena: ‘Quero uma história violenta, que tenha início, meio e fim, pois precisamos de manchetes’. Sento-me para escrever.