o privilégio da periferia
O privilégio da periferia
Clara Mafra
Otávio Velho já era autor, professor e pesquisador consagrado quando escreveu “O cativeiro da besta fera”. Publicado em 1987, este artigo retoma as anotações de seu diário de campo — fruto da convivência com camponeses na Amazônia — e recupera as interpretações que o próprio autor, colegas antropólogos e sociólogos atribuíam à categoria nativa “cativeiro” para reordenar as posições e desestabilizar a interpretação que a literatura parecia referendar. O novo olhar, informa o próprio Otávio, relaciona-se com seu recente interesse, inusitado para a academia da época, voltado para a aproximação com os estudos da religião.
A antiga inquietude, que antes se manifestara em uma aproximação pouco convencional de mestres e temas clássicos no interior das ciências sociais, alargava-se dali para frente para áreas perigosas porque pouco afeitas ao cânone das ciências sociais, no resgate de autores marcados pela
“síndrome da periferia”, como Paul Ricoeur, Marcel Gauchet, John Milbank,
William James, Gregory Bateson.
Podemos compreender esta virada na trajetória de Otávio de várias formas. Devo confessar que na época em que entrei para o Museu, em 1995, os comentários em certos círculos acadêmicos pareciam antes temerosos do que auspiciosos: genialidade ou desfaçatez?
Vou sugerir que, tal como um Hamlet moderno, Otávio se aproximou do vale de sombras que cerca o campo da religião justamente para, através deste desvio, resgatar a antropologia das armadilhas de estreitamento e pequenez que a cercavam e a cercam. Antropólogo maduro, profissional responsável pela formação de várias instituições que permitiram a ampliação do campo universitário de graduação e pós-graduação no Brasil, Otávio não poderia assistir passivamente a um processo de corporativismo e apequenamento das questões antropológicas pari passu sua ampliação concreta e multiplicação de pares. Sem que se suponha uma