LIXO por Rubem Alves Antigamente, quando se vivia na roça, lixo não era problema. Não havia plástico, latas, papel, detergentes, produtos químicos. Os restos de comida eram reciclados pelos animais, o mais notável dentre eles sendo o porco, que comia tudo que sobrava. A grande lei que diz que "nada se perde e nada se cria, tudo se transforma" bem que pode ter sido intuída por Lavoisier na contemplação de um porco que fazia o seu trabalho. Fezes e urina não eram problema. Não poluíam. As bananeiras, plantadas em moitas perto das casas, eram os lugares onde os humanos deixavam os seus detritos que, na verdade, não eram; eram adubos. Lombos de porcos assados e bananas, num momento anterior dos processos transformadores da natureza, haviam sido outras coisas. O lixo estava integrado na circulação da vida. Aí vieram as cidades. Nas cidades as coisas se complicaram. Não há moitas de bananeiras suficiente para todos. Daí a necessidade dos urinóis e criados-mudos onde as fezes a e urina, outrora depositadas nas bananeiras, eram colhidas e guardadas. Como não havia serviço de coleta de lixo e as porcarias não podiam ficar estocadas de casa, o jeito era jogá-las na rua. Descrições da Paris daqueles tempos são espetáculos dignos de telas infernais de Bosch. Era muito arriscado andar pelas ruas. Nunca se sabia quando o morador do segundo andar ia despejar os penicos pela a janela. Sem ter condições para ser transformado, olixo se amontoava, tornando-se as delícias de bilhões de ratos e trilhões de baratas. A protestante Genebra, sob o governo férreo de Calvino, foi a primeira cidade a imaginar e a estabelecer um sistema de coleta de lixo. O hábito ficou. Em Genebra, ai daquele que se atrever a jogar na rua uma bolinha de papel. Aí veio a civilização tecnológica. As primitivas e malcheirosas "casinhas" se transformaram em banheiros limpos e perfumados. Neles basta que se aperte um botão a e coisa feia desaparece magicamente, não se sabendo para onde