O Enigma Da Democracia Em Marx
Thamy Pogrebinschi
Marx afirma, na Crítica da filosofia do direito de Hegel, que “a democracia é o enigma resolvido de toda constituição” (Marx, 1992a [1843], p.
87). Mais do que conceber a democracia como um enigma, Marx a concebe como um “enigma resolvido” (aufgelöste Rätsel). Um enigma resolvido é aquele que se sabe ser a solução do próprio problema para o qual aponta. Trata-se de um conceito que contém em si simultaneamente um enigma e a solução capaz de decifrá-lo. Na qualidade de enigma resolvido de toda constituição, a democracia marxiana apresenta-se como resposta para os problemas levantados pelas formas políticas. O principal destes problemas, de acordo com Marx, diz respeito à contradição entre o Estado e a sociedade civil. É este, afinal, o enigma da modernidade política, que o mais astuto dos discípulos de
Hegel soube logo cedo diagnosticar. Ao romper
Artigo recebido em agosto/2005
Aprovado em agosto/2006
com seu mestre e recusar à política qualquer forma de mediação, Marx faz de seu conceito de verdadeira democracia (wahre Demokratie) a resolução do enigma colocado pelo Estado moderno.
Isso explica por que “na democracia o
Estado abstrato deixa de ser o momento governante” (Idem, p. 89). Quando a democracia atinge a sua verdade, ela supera a si mesma, encontrando sua real expressão no processo de desvanecimento do Estado e da sociedade civil – única solução possível para dois extremos reais que, como tais, não admitem mediação. Com a superação (Aufhebung) destes, o político encontra-se definitivamente com o social, e nenhuma relação de subordinação ou dependência passa a ser possível entre uma e outra esfera. No entanto, a realização da democracia foi modernamente concebida na forma de um “Estado democrático”: uma aliança impertinente entre dois termos inconciliáveis, afinal “todas as formas de Estado têm a democracia como sua verdade e por esta
RBCS Vol. 22 nº. 63 fevereiro/2007
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REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS