O contrato social
Para se descobrir as leis mais convenientes às nações seria preciso uma inteligência superior, que conhecesse as paixões e o íntimo humano, mas que não fosse influenciado por estes fatores; cuja felicidade independesse dos homens, mas que se ocupasse da felicidade destes; que trabalhasse em um século para se glorificar em outro. Haveria necessidade de deuses para dar leis aos homens.
O mesmo raciocínio que Calígula fazia dos fatos, Platão, em seu diálogo A Política, o fez do direito a fim de definir o homem civil ou real. Mas se um grande príncipe é um homem raro, quanto mais raro seria um grande legislador? Ao príncipe basta seguir o modelo proposto pelo legislador. O legislador é o mecânico que inventa a máquina, o príncipe é o operário que a faz funcionar. Diz Montesquieu que no nascimento das sociedades os chefes das repúblicas criam as instituições, e depois as instituições é que formam os chefes das repúblicas.
Aquele que ousa a instituir um povo deve sentir-se capaz de mudar a natureza humana; transformar um indivíduo, um todo perfeito e solidário, em parte de um todo maior; lhe retirar a força física e independente que todos recebem da natureza e lhe dar uma força estranha, parcial e moral, que não possa utilizar sem a ajuda alheia. Quanto mais se extingue as forças naturais, mais sólida e perfeita é a instituição. Se cada cidadão nada é, nada pode ser sem a ajuda dos outros, e a força adquirida pelo todo é igual ou superior à soma das forças naturais dos indivíduos, conclui-se que a legislação se encontra no ponto mais alto de perfeição que possa ser atingido.
O legislador é, de qualquer ponto de vista, um homem extraordinário no Estado. Se o é pelo seu gênio, não o é menos pelo seu cargo. Este emprego, que constitui a república, não entra em sua constituição; não se relaciona à magistratura ou soberania; é função particular e superior e que nada tem em comum com o império humano; pois, se quem dirige os homens não pode dirigir as