A relaçao do advogado e a verdade
Pierro Calamandrei
A luta entre os advogados e a verdade é tão antiga como a disputa entre o diabo e água benta e, entre as facécias correntes acerca da mentira profissional dos advogados, ouve-se às vezes, a sério, este raciocínio: Em qualquer processo há dois advogados, que não podem ambos falar a verdade, uma vez que sustentam teses contraditórias; logo: um deles mente. Isto autorizaria a dizer que cinquenta por cento dos advogados são mentirosos. Mas como o advogado que tem razão numa causa não a tem noutra, segue-se que todos estão dispostos a sustentar, no momento oportuno, causas perdidas, ou seja: que são todos mentirosos.
Este raciocínio esquece, porém, que a verdade tem três dimensões e que pode aparecer sob formas diversas a quem a observe, conforme os diversos pontos de vista sob os quais a veja.
Num processo, os dois advogados, apesar de sustentarem teses opostas, podem estar e quase sempre estão de boa fé, uma vez que representam a verdade, tal como o veem sob o prisma por que a vê o seu cliente.
Há, num museu de Londres, um quadro famoso do pintor Champaigne, no qual se pintou o cardeal Richelieu em três atitudes diferentes. Ao centro da tela, vemo-lo de frente, aos lados, vemo-lo de perfil a olhar para o centro. O modelo é um só, mas na tela parece que são três pessoas a conversar, de tal modo são diferentes as expressões das figuras vistas de perfil e, mais do que isso, o ar calmo que, no retrato do centro, é a síntese dessas duas figuras.
Num processo passa-se o mesmo. Os advogados procuram a verdade de perfil, esforçando o olhar, e apenas o juiz, que está no meio do quadro, a vê pacatamente de frente.
A balança é o símbolo tradicional da justiça, visto parecer que representa materialmente, por uma disposição mecânica, aquele jogo de forças psíquicas que faz funcionar o processo e no qual, para que o juiz após algumas oscilações conclua pela verdade, é necessário que intervenha o