A poesia da inquietação
AULA 01: A POESIA DA INQUIETAÇÃO
TÓPICO 03: QUAL É A GRAÇA, QUAL O MOTIVO DA POESIA? CATAR FEIJÃO?
Neste tópico, apresentamos três exemplares dessa poesia da inquietação que dá título a esta aula. Os poemas escolhidos são "Esta é a graça", de
Henriqueta Lisboa, do livro Flor da morte, de 1949; "Motivo", de Cecília
Meireles, do livro Viagem, de 1939; e "Catar feijão", de João Cabral de Melo
Neto, do livro A educação pela pedra, de 1965. Espera-se que você os leia atentamente, procurando refletir sobre a concepção de poesia sugerida por eles. VERSÃO TEXTUAL
1.
Fonte [1]
2.
Esta é a graça
Esta é a graça dos pássaros: cantam enquanto esperam.
E nem ao menos sabem o que esperam.
Será porventura a morte, o amor?
Talvez a noite com nova estrela, a pátina de ouro do tempo, alguma cousa de precário assim como para o soldado a paz?
Com grave mistério de reposteiros um augúrio dimana, incessante, do marulho das fontes sob pedras, do bulício das samambaias no horto.
No ladrido dos cães à vista da lua, acima do desejo e da fome,
pervaga um longo desespero em busca de tangente inefável.
O mesmo silêncio da madrugada prenuncia, sem dúvida, um evento que já não é o grito da aurora ao macular de sangue a túnica.
E minha voz perdura neste concerto com a vibração e o temor de um violino pronto a estalar em holocausto as próprias cordas demasiado tensas.
(LISBOA, 2004, p. 43)
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Fonte [2]
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1.
Catar feijão se limita com escrever: jogam-se os grãos na água do alguidar e as palavras na folha de papel; e depois, joga-se fora o que boiar.
Certo, toda palavra boiará no papel, água congelada, por chumbo seu verbo: pois para catar esse feijão, soprar nele, e jogar fora o leve e oco, palha e eco.
2.
Ora, nesse catar feijão entra um risco: o de que entre os grãos pesados entre um grão qualquer, pedra ou indigesto, um grão imastigável, de quebrar dente.
Certo não, quando ao catar palavras:
Certo