A memória na construção literária da personagem-protagonista do conto “singular ocorrência” de machado de assis
Em sua reflexão sobre a memória, Ricouer compara as lembranças a arquipélagos, pois as lembranças são plurais e fragmentadas, mas a memória, que é singular, tem a capacidade de percorrer as lembranças sem que a fragmentação seja um empecilho, é a memória que possibilita a continuidade temporal do ser entre passado e presente. No conto “Singular ocorrência” de Machado de Assis, o narrador, que é personagem também, com sua memória percorre as lembranças de um acontecimento peculiar que ocorreu há dez anos entre seu amigo Andrade e a amante dele, Marocas. Portanto, a narrativa é uma rememoração de um fato já refletido. A memória do acontecido é suscitada quando o narrador avista Marocas entrando em uma igreja. A partir daí ele revisita suas lembranças e começa a narrar a história do romance entre Marocas e Andrade, ao seu interlocutor.
É através dos olhos do narrador que a construção da personagem Marocas, tanto física quanto psicológica, é dada. A materialização de Marocas para o leitor depende exclusivamente da memória do narrador, visto que Marocas não tem voz própria, em todo o conto ela não pronuncia uma única frase, e o leitor tem que erigir suas impressões a seu respeito baseando-sena precisão, isenção e veracidade das lembranças do narrador. É importante lembrar que a construção de Marocas sofre as influências da perspectiva masculina e do lugar social que o narrador ocupa. E depois de tanto tempo passado até onde vai à precisão das lembranças do narrador e sua isenção, visto que era amigo de Andrade. A primeira referência do narrador relativa à Marocas é sobre sua profissão de prostituta, logo em seguida descreve-a como uma mulher bonita, esbelta, discreta em seu modo de vestir e falar, contida, analfabeta, porém insinuante e capaz de envolver um homem experiente, além de dedicada e submissa ao amado. De fato, o narrador induz o leitor, a