VIGIAR E PUNIR
CAPÍTULO III
O CARCERÁRIO
Tivesse eu que fixar a data em que se completa a formação do sistema carcerário, não escolheria 1810 e o Código Penal, nem mesmo 1844, com a lei que estabelecia o princípio do internamento celular; talvez não escolhesse 1838, quando foram publicados os livros de Charles Lucas, Moreau-Christophe e Faucher sobre a reforma das prisões. Mas 22 de janeiro de 1840, data da abertura oficial de Mettray. Ou melhor talvez, aquele dia, de uma glória sem calendário, em que uma criança de Mettray agonizava dizendo: "Que pena ter que deixar tão cedo a colónia".(1) Era a morte do primeiro santo penitenciário. Muitos bem-aventurados o seguiram, sem dúvida, se é verdade que os colonos costumavam dizer, para fazer o elogio da nova política punitiva do corpo: "Preferiríamos as pancadas, mas a cela é melhor para nós". Por que Mettray? Porque é a forma disciplinar no estado mais intenso, o modelo em que concentram todas as tecnologias coercitivas do comportamento. Tem alguma coisa "do claustro, da prisão, do colégio, do regimento". Os pequenos grupos, fortemente hierarquizados, entre os quais os detentos se repartem, têm simultaneamente cinco modelos de referência: o modelo da família (cada grupo é uma "família" composta de "irmãos" e de dois "mais velhos"); o modelo do exército (cada família, comandada por um chefe, se divide em suas seções, cada qual com um subchefe; todo detento tem um número de matrícula e deve aprender os exercícios militares básicos; realiza-se todos os dias uma revista de limpeza, e uma vez por semana uma revista de roupas; a chamada é feita três vezes por dia); o modelo da oficina, com chefes e contramestres que asseguram o