trabalho direito

As gotas de chuva do paletó preto pingavam sob o piso recentemente restaurado. Ela, há menos de dois meses, havia dedicado uma boa quantia para encerar todos os cento e setenta metros quadrados do apartamento grande, bem equipado e cada vez mais vazio. Antes, eram cinco pessoas e, de pouco em pouco, ia-se deixando a casa, de modo que agora apenas os dois dividiam o ambiente. Quando Manuela pousou os olhos nas centenas de gotinhas que dominavam o chão, transformou-se em alguém que nem ela mesmo conhecera, deixando de lado toda a ternura que sempre transbordara de seus vibrantes olhos azuis. Pedro fizera tudo de propósito- pensava Manu- ele sabia bem que o sinteco era novo em folha. Sabia também do esforço da namorada para orçar com os prejuízos, e nem assim deu-se ao trabalho de tirar o paletó encardido, que há meses merecia estar no lixo, antes de colocar seus pés no delicioso apartamento do Jardim Botânico. Quando Manuela e Pedro procuravam onde morar, há cerca de dois anos atrás, parecia que as coisas não dariam certo. O casal era exigente, sabia bem o que queria, e assim nada parecia encaixar no perfil criativo dos dois recém maiores de idade. Quando já não esperavam mais nada, Pedro encontrara nos classificados uma proposta indecente, de um apartamento extremamente charmoso e de preço acessível àquele jovem casal de origem rica. Era tudo grande demais, mas era perfeito- segundo Manuela- e caberia até todas as centenas de livros e CDs que Pedro possuía. Deram conta de achar mais três amigos, um casal e uma solteirona, que também estavam loucos para escapar da casa dos pais. Era numa ladeira grande, Pedro perdia o fôlego toda vez que subia, mas era tudo do jeito que sonhavam. A cozinha, os banheiros, os quartos, a sala enorme... Estava quase tudo certo. Além disso, descendo a ladeira, o casal deparava-se com quase todos os bares e lanchonetes que freqüentavam desde a adolescência. Só mais alguns retoques e a casa ficaria impecável para a vivência de cinco