Teoria Religiosa e Laica
Simon Blackburn
Universidade de Cambridge
O desafio clássico à ideia de que a ética pode ter um fundamento religioso é fornecido por Platão (c. 429-347 a.C.), no diálogo conhecido como Êutífron. Neste diálogo,
Sócrates, que está prestes a ser julgado por impiedade, encontra um tal Êutífron, que se apresenta como alguém que sabe exactamente o que é a piedade ou a justiça. De facto,
Êutífron está tão seguro de si mesmo que está prestes a instaurar uma acção contra o seu próprio pai por ter causado uma morte.
ÊUT. Sim, eu diria que o que os deuses amam é pio e sagrado, e que o oposto, que eles odeiam, é ímpio.
SÓC. Devemos investigar a verdade disso, Êutífron, ou aceitar simplesmente a mera afirmação com base na nossa própria autoridade, ou na autoridade alheia? Que dizes?
ÊUT. Devemos investigar; e penso que a afirmação irá resistir ao teste da investigação.
SÓC. Assim o veremos, meu bom amigo, já de seguida. O primeiro aspecto que eu gostaria de começar por compreender é se o pio ou sagrado é amado pelos deuses por ser sagrado, ou se é sagrado por ser amado pelos deuses.
Uma vez colocada esta questão Sócrates não tem dificuldade em chegar a uma das suas alternativas: SÓC. E que dizes da piedade, Êutífron? Não será a piedade, de acordo com a tua definição, amada por todos os deuses?
ÊUT. Sim.
SÓC. Por ser pio ou sagrado, ou por outra razão?
ÊUT. Não, a razão é essa.
SÓC. É amado por ser sagrado, e não é sagrado por ser amado?
ÊUT. Sim.
SÓC. E o que é apreciado pelos deuses é por eles amado e está num estado que lhe permite ser por eles amado?
ÊUT. Sem dúvida.
SÓC. Então o que é apreciado pelos deuses, Êutífron, não é sagrado, nem o que é sagrado é amado pelos deuses, como afirmas; mas estas são duas coisas diferentes.
ÊUT. Que queres dizer, Sócrates?
SÓC. Quero dizer que reconhecemos que o sagrado é amado por Deus por ser sagrado, e não que é sagrado por ser amado.
A ideia é que Deus,