Sou da cabeça aos pés um etnógrafo que escreve sobre etnografia.
Lilia Katri Moritz Schwarcz Professora do Departamento de Antropologia – USP
Mercadores do espanto: a prática antropológica na visão travessa de C. Geertz
Sou da cabeça aos pés um etnógrafo que escreve sobre etnografia.
Para Geertz o trabalho antropológico sempre foi tarefa de “corpo a corpo” – uma grande e complexa experiência de campo –, mas nem por isso menos severa. Revelar as singularidades de outros povos, examinar o alcance e a estrutura da experiência humana, aí estavam dispostos os maiores trunfos dessa antropologia interpretativa, hermenêutica para alguns, simbólica ou criativa para outros, fundada nos anos 60 nos Estados Unidos. Ficavam guardados nos pequenos detalhes da vida vivida, na idéia de que a cultura é microscópica, mas também na capacidade descritiva e de interpretação, os trunfos desse novo movimento, que surgia sem querer e evitava a rubrica de escola ou as regras e modelos preestabelecidos. O novo grupo se impôs na mesma velocidade em que as obras de Geertz – uma espécie de líder não nomeado – foram sendo editadas. Em A interpretação das culturas, e por meio de uma série de ensaios que iam da religião a um pequeno ritual de briga de galos em Bali, o antropólogo inaugurava um estilo individual e a prática benjaminiana de produzir insights, no lugar da grande teoria arrumada. Mais uma vez a religião, como uma prática que ensina a sofrer e menos a consolar, aparecia como tema central em The religion of Java. Em Negara o
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REVISTA DE ANTROPOLOGIA, SÃO PAULO, USP, 2001, V. 44 nº 1.
etnógrafo se vestia de historiador e estudava o ritual em uma sociedade monárquica, na qual os limites entre realidade e representação restavam pouco estabelecidos. Foi com a publicação de Local knowledge que Geertz sinalizou para a possibilidade de entender os antropólogos tal qual uma aldeia, sujeita a padrões, regras e costumes originais. Provocou