Serviços sociais
O “PESSIMISMO SENTIMENTAL” E A EXPERIÊNCIA ETNOGRÁFICA:
POR QUE A CULTURA NÃO É UM “OBJETO” EM VIA DE EXTINÇÃO (PARTE I)
Marshall Sahlins
A “cultura” não tem a menor possibilidade de desaparecer enquanto objeto principal da antropologia — tampouco, aliás, enquanto preocupação fundamental de todas as ciências humanas. É claro que ela pode perder, e já perdeu, parte das qualidades de substância natural adquiridas durante o longo período em que a antropologia andou fascinada pelo positivismo. Mas a “cultura” não pode ser abandonada, sob pena de deixarmos de compreender o fenômeno único que ela nomeia e distingue: a organização da experiência e da ação humanas por meios simbólicos. As pessoas, relações e coisas que povoam a existência humana manifestamse essencialmente como valores e significados — significados que não podem ser determinados a partir de propriedades biológicas ou físicas. Como costumava dizer meu professor Leslie White, um macaco não é capaz de apreciar a diferença entre água benta e água destilada — pois não há diferença, quimicamente falando. Nenhum outro animal, tampouco, organiza os fundamentos afetivos, as atrações e repulsões de suas estratégias reprodutivas a partir de significados, sejam eles conceitos socialmente contingentes de beleza ou noções historicamente variáveis de moralidade sexual. Essa ordenação (e desordenação) do mundo em termos simbólicos, essa cultura é a capacidade singular da espécie humana. Propor que o estudo da cultura seja banido das ciências humanas, sob o argumento — por exemplo — de que esse conceito está politicamente manchado por um passado duvidoso, seria uma espécie de suicídio epistemológico. A cultura em seu sentido antropológico foi capaz de transcender a noção de refinamento intelectual (aquela “cultura” que tem como adjetivo “culto”, e não “cultural”, e que ainda é uma acepção comum do termo) da qual descende; foi, igualmente, capaz de se afastar das idéias progressivistas de