resenha critica a hora da estrela clarice lispector
Você lê As Crônicas de Gelo e Fogo e fica impressionado com a grandiosidade que George R. R. Martin conseguiu imprimir à história. Impressiona-o como o autor é impiedoso com os personagens: parece-lhe importar somente a história, e nada mais. Ao mesmo tempo, impressionam-no tantos personagens vivos, eletrizantes, empolgantes, como Arya, Tyrion, Cersey, Jon, Bran e tantos, tantos outros.
Você lê Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios e… nossa!, como Marçal Aquino sabe contar uma história! Com o que poderia ser um melodrama, o autor cria algo denso, envolvente, contagiante…
Você lê 2666 e fica boquiaberto com a pretensão de Roberto Bolaño. Quem ele pensa que é para escrever uma história tal que contém mil outras histórias que chegam e vão embora e que mesmo assim conseguem enfeitiça-lo?
Você lê Flaubert e entende o que é a perfeição. As palavras, todas no lugar mais adequado. Os fatos, segundo a ordem mais precisa. As motivações, os adjetivos, as vírgulas, nada poderia nem deveria jamais ser alterado (como eu lamento não poder [ainda] ler Flaubert em francês!).
Aí você lê A Hora da Estrela.
E aí você pensa… pensa… pensa…
Não, você não pensa. Você mastiga. Você sente sua fome literária ser saciada, uma fome quase atávica que você nem sabia que tinha.
Você abre os olhos e vê que os exemplos anteriores, para usar algumas comparações bem toscas, eram como… madeira. Flaubert esculpia lindas, maravilhosas estátuas de madeira, George R. R. Martin constrói cidades inteiras de madeira, Roberto Bolaño faz alguma coisa bela e inominável de madeira. Clarice Lispector produz árvores.
Outra comparação tosca: linguagens de programação. George R. R. Martin brinca com Java, Flaubert, com C++, outro, com Basic. Clarice Lispector cria os algoritmos.
É isso mesmo que quero dizer: é outro nível, é outra realidade.
Não é preciso ser um apaixonado pela literatura para ter ouvido falar de Clarice Lispector, basta ter