Psicologia do cotidiano
Artigo publicado originalmente sob o título Vers la fin de l’interiorité?, na revista Psychologie Clinique, nº 2. Essa versão em português foi baseada no capítulo do livro de eugéne Enriquez, Vers la fin de l’interiorité? Lês jeux du pouvoir et du désir dans l’entreprise. Paris: Desclée de Brouwer, 1997. p. 323-339.
O sentimento que uma pessoa experimenta de ter uma vida interior, íntima, na qual ninguém tem o direito de penetrar senão por invasão, de possuir um interior que traz consigo sofrimento, alegria, questionamento, e que é para ela “uma terra estrangeira”, nem sempre existiu. Vernant (1987) destacou particularmente a que ponto o homem grego podia conceber-se como um indivíduo, como um sujeito, mas não como um ser autônomo que pode “esconder uma coisa nas suas entranhas”, segundo a palavra de Aquiles.
Quando, nos séculos III e IV, o homem começou a tecer relações especiais com o divino e, por isso, a viver uma experiência de si e não apenas uma “preocupação de si” (Foucault, 1984), a vida interior passou a ter relevância. Quando, no século XVIII, o século das luzes, dizia-se que cada homem possui nele mesmo os princípios da razão, anunciava-se simultaneamente que ele é um ser de paixões, de afetos, atravessados por ventos tumultuosos (“Venham, tempestades desejadas!”), que deve fazer seu exame de consciência, escrever confissões como Rousseau ou manter seu diário íntimo como Amiel.
E mesmo que cada um não se junte nessa tarefa, isso não impede que o homem plenamente racional nasça ao mesmo tempo em que o homem totalmente emocional. De um só golpe todo homem possui ao mesmo tempo um cérebro e um coração, que ele deve interrogar para compreender-se e poder assim melhor guiar sua conduta. Jamais se insistirá o bastante sobre a ligação íntima entre “paixões e interesse”, entre o “Aufklãrung” e o “Sturm und Drang”. É porque cada um tem “estados d’alma”, persegue a conquista de si mesmo, que pode tornar-se também um