Portifolio
Carlos Drummond de Andrade
Eu quero compor um soneto duro como poeta algum ousara escrever.
Eu quero pintar um soneto escuro, seco, abafado, difícil de ler.
Quero que meu soneto, no futuro, não desperte em ninguém nenhum prazer.
E que, no seu maligno ar imaturo, ao mesmo tempo saiba ser, não ser.
Esse meu verbo antipático e impuro há de pungir, há de fazer sofrer, tendão de Vênus sob o pedicuro.
Ninguém o lembrará: tiro no muro, cão mijando no caos, enquanto Arcturo, claro enigma, se deixa surpreender.
O soneto decassílabo “Oficina Irritada” de Carlos Drummond de Andrade trata do fazer poético em um contexto específico: o das suas inspirações e implicações. A unidade entre forma e conteúdo é observada já a partir do título e da enunciação motivacional expressa pelo eu lírico no 1º e 3º versos. Uma primeira hipótese pode afirmar que o soneto que se deseja fazer é o mesmo que estamos lendo. Mas talvez seja elemento de uma missão poética maior, significativa dentro do conjunto da obra, e para encorpar este dado basta lembra que a importante figura de linguagem “Clari Enigma” do último verso é o título de um dos livros mais importantes do Drummond, sendo a “Oficina Irritada” um de seus componentes.
Para ser coerente com seu objetivo, o poeta vale-se de vários recursos estilísticos e de uma elaboração precisa da linguagem. A repetição anafórica da expressão “Eu quero”, no 1º e 3º versos, por exemplo, sugere como motivacional da composição o rompante irritado, aquele que vem de longe e impõe, através da perplexidade que causa, o afastamento em relação ao mundo cotidiano e exercício conclusivo do fazer poético.
A fonte motivacional do poema é, portanto, longínqua e altaneira, embora destituída de moralidade. Podemos notar isso pelo elencamento dos nomes mencionados. O jorro mitológico da beleza de Vênus, deusa romana (cujo correspondente grego é Afrodite), é transmitido ao poeta, fazendo mister a transposição para o papel desta