"Perspectivismo e multinaturalismo na América indígena"
O sétimo capítulo, "Perspectivismo e multinaturalismo na América indígena", resulta da compilação de vários artigos publicados em revistas nacionais e internacionais (entre 1996 e 2000), e traz por certo a reflexão mais importante do autor para o campo da antropologia e das ciências humanas atuais. Trata-se, pois, de uma reflexão sobre as bases ontológicas do pensamento ameríndio, o que remete a um diálogo corajoso com a filosofia produzida no Ocidente. Em linhas gerais, o autor procura extrair as conseqüências filosóficas de asserções como "os índios pensam que os animais são, na verdade, humanos" ou "o corpo animal é de fato um revestimento que esconde uma natureza humana comum a todos os seres". A conclusão do autor reside em apontar um regime multinaturalista que se contrapõe fortemente ao regime multiculturalista hegemônico no Ocidente.
Noutras palavras, se, para nós, a natureza é una e invariável (dela derivam leis universais) e a cultura, múltipla e variável, para eles, o que se dá é o inverso.
Desse modo, todos os seres – animais, plantas e espíritos – possuem uma mesma cultura, ou espírito, ao passo que o que os diferencia é a sua natureza, seus corpos. E, se não é possível que todos apareçam ao mesmo tempo sob a forma de humanos, isso se dá porque o cosmo é constituído de diferentes pontos de vista ou perspectivas. Dito de outra maneira, humanos e animais percebem-se como diferentes porque ocupam, cada qual, diferentes pontos de vista. Assim, os humanos vêem os animais como animais, mas os animais vêem a si mesmos como humanos e vêem os humanos como animais... Ora, é por meio da atividade dos xamãs que esse esquema pode ser esclarecido: os xamãs possuem a capacidade de ocupar outros pontos de vista, podem ver como os animais vêem e,