“O conceito de sociedade em antropologia: um sobrevoo
Natureza & Cultura, versão americanista – Um sobrevoo
Renato Sztutman
Professor do Departamento de Antropologia da USP
O problema
A pergunta que orienta esta apresentação – e que pode soar ingênua – é a seguinte: o dualismo que se estabeleceu entre a natureza e a cultura – algo que, no mínimo, diz muito sobre nós mesmos, ocidentais, modernos, euroamericanos etc. – é bom para pensar as sociocosmologias ameríndias? Tendo em vista a produção americanista das últimas décadas podemos nos antecipar e afirmar que a resposta é, claramente, NÃO. O que interessa aqui passa a ser, justamente, como chegamos a esta resposta que, por seu turno, tampouco é unívoca.
Estabeleçamos que estas sociocosmologias – que não devem jamais ser concebidas como desvinculadas da prática, ou seja, que devem ser antes concebidas como cosmopráxis – apresentam alguns pontos em comum. Vejamos:
1) No tempo do mito, diz-se, animais, plantas e outros seres que tendemos a denominar não-humanos eram humanos, pois se comunicavam plenamente com os humanos, partilhando com eles tudo o que havia no mundo. Este ponto foi discutido por Lévi-Strauss em vários momentos de sua obra sobre a mitologia ameríndia, em especial na tetralogia Mitológicas, sobre a qual ele medita, de maneira bastante esclarecedora, na entrevista que concedeu a Didier Éribon (Lévi-Strauss & Éribon, 2005).
2) No tempo atual, embora diferenciados – sobretudo por suas formas corporais – estes animais, plantas e outros seres que tendemos a denominar não-humanos ainda se pensam como humanos – ainda portam algo como uma alma humana – e muitas vezes podem se revelar como tais. Isto consiste, por exemplo, na ideia de
“animismo”, tal como apresentada por Philippe Descola, tanto em seu trabalho etnográfico sobre os Achuar
(Jivaro) como em sua obra comparativa (Descola, 1986; 2005).
3) Ora, se esses “outros seres” podem se revelar aos humanos como humanos, isso se dá, muitas vezes,