Os pequeninos
Ouvi certa vez uma conversa inesquecível. A esponja de doze anos a esmaeceu em coisa nenhuma. Por que motivo certas impressões se gravam de tal maneira e outras se apagam tão profundamente?
Eu estava no cais, à espera do Arlanza, que me ia devolver de Londres um velho amigo já de longa ausência. O nevoeiro atrasara o navio.
- Só vai atracar às dez horas – informou-me um sabe tudo de boné.
Bem. Tinha eu de matar uma hora de espera dentro dum nevoeiro absolutamente fora de comum, dos que negam aos olhos o consolo da paisagem distante. A visão morria a dez passos; para além, todas as formas desapareceriam no algodoamento da névoa.
Pensei nos fogs londrinos que o meu amigo devia trazer na alma, e comecei a andar por ali à toa, entregue ao seu trabalho, tão freqüente na vida, de “matar o tempo”. Minha técnica em tais circunstâncias se resume em recordar passagens da vida. Recordar é reviver. Reviver. Reviver os bons momentos tem as delícias do sonho.
Mas o movimento do cais interrompia amiúde o meu sonho, forçando-me a cortar e a reatar de novo o fio das recordações. Tão cheio de nós foi ele ficando que o abandonei. Uma das interrupções me pareceu mais interessante que a evocação do passado, porque a vida exterior é mais viva que a interior – e a conversa dos três carregadores era inegavelmente “água-forte”.
Três portugueses bem típicos, já maduros; um deles de rosto singularmente amarrotado pelos anos. Um incidente qualquer ali do cais dera origem à conversa.
- Pois esse caso, meu velho dizia um deles -, me lembra a historia da ema que tive num cercado. Também ela foi vítima dum animalzinho muitíssmo menos, e que seria esmagado, como esmagamos moscas, se lhe ficasse ao alcance do bico – mas não ficava...
- Como foi? – perguntaram.
- Eu nesse tempo estava de cima, dono de terras, com casa minha, meus animais de cocheira, família. Foi um ano antes daquela rodada que me levou tudo... Peste de mundo!... tão bem que ia indo bem e me