Pequenino Aviador
Em meio à brisa carinhosa que acalenta e, ao mesmo tempo, acaricia as frondosas (todavia tímidas!) árvores, mistura-se o calor ímpar de um Sol tristonho, angustiado ante a necessidade de se desapegar à paisagem que, deslumbrado, observou toda a sua eternidade, sem se cansar, nem deixar de perceber os ínfimos milagres, graciosos, princípios motores da grande roda, esse comboio de corda outrora alcunhado de coração. O abrir primeiro de olhos do emplumado filhote, concedendo sentido, o dadivoso entender de todos aqueles embriagantes perfumes que o possuíam, sem sequer pedir, e o faziam retornar ao profundo e agradável sonho. O abrir das frágeis asas, quando observava os pais desenharem entre as árvores uma metódica dança, envolvente, atraente, temida, tão perigosa! O mergulho desengonçado, após incontáveis dias de treino, de hesitação, de curiosidade pueril, vontade incontrolável de voar. O mergulho desengonçado, o primeiro, o único acompanhado pelo medo. Voava, aquela pequena criatura celestial. O sabor da brisa, dinamicamente dilacerada pelas ramificações das asas, tingidas do azul mais belo e divino, o deslizar solene, soberano pelo ar submisso, dócil. Mais uma vez, o Sol, enternecido pelo magnífico ser que plana e vive, implora por mais alguns minutos, segundos até, para poder deitar seu olhar dourado sobre o pequenino aviador, intocável, imaculado. Friamente, recebe a ordem de abandonar os campos verdejantes e milagres, cobrir-se com seu manto para, enfim, reinar a paz muda e misteriosa da Lua. Em rebeldia, permanece brilhante, fascinado por aquela minúscula e reluzente alma em voo. Soberbas nuvens, em resposta lenta posto que inexorável, tomam-lhe o céu, janela de sua felicidade, neutralizando seu brilho, seu calor, seu amor pelo desconhecido passarinho. E, nessa luta covarde e surda, o Sol se curva à escuridão, sobrevivendo às custas da esfarrapada esperança de que, no dia seguinte, possa reaver seu peculiar milagre cantante.