Observando o familiar
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Gilberto Velho2
I - Uma das mais tradicionais premissas das ciências sociais é a necessidade de uma distância mínima que garanta ao investigador condições de objetividade em seu trabalho. Afirma-se ser preciso que o pesquisador veja com olhos imparciais a realidade, evitando envolvimentos que possam obscurecer ou deformar seus julgamentos e conclusões. Uma das possíveis decorrências deste raciocínio seria a valorização de métodos quantitativos que seriam "por natureza" mais neutros e científicos. Sem dúvida essas premissas ou dogmas não são partilhados por toda a comunidade acadêmica. A noção de que existe um envolvimento inevitável com o objeto de estudo e de que isso não constitui um defeito ou imperfeição já foi clara e precisamente enunciada.
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Não vou deter-me, especificamente, na discussão
mais geral sobre neutralidade e imparcialidade. Creio ser mais proveitoso discutir algumas experiências pessoais que me levaram a refletir de forma mais sistemática sobre esses problemas.
II - A Antropologia, embora sem exclusividade, tradicionalmente, identificouse com os métodos de pesquisa ditos qualitativos. A observação participante, a entrevista aberta, o contato direto, pessoal, com o universo investigado constituem sua marca registrada. Insiste-se na idéia de que para conhecer certas áreas ou dimensões de uma sociedade é necessário um contato, uma vivência durante um período de tempo razoavelmente longo pois existem aspectos de uma cultura e de
VELHO, Gilberto. Observando o Familiar. In: NUNES, Edson de Oliveira – A Aventura Sociológica, Rio de Janeiro, Zahar, 1978. Agradeço os comentário e sugestões de Roberto Da Matta e Eduardo Viveiros de Castro, com quem tive oportunidade de discutir este trabalho. Ver por exemplo o trabalho de Howard S. Becker, "De que lado Estamos", em Uma Teoria da Ação Coletiva, Zahar Editores, 1977.
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uma sociedade que não são explicitados, que não aparecem à superfície e que