Noturno à janela do apartamento
Silencioso cubo de treva: um salto, e seria a morte.
Mas é apenas, sob o vento, a integração na noite.
Nenhum pensamento de infância, nem saudade nem vão propósito.
Somente a contemplação de um mundo enorme e parado
A soma da vida é nula.
Mas a vida tem tal poder: na escuridão absoluta, como líquido, circula.
Suicídio, riqueza, ciência...
A alma severa se interroga e logo se cala. E não sabe se é noite, mar ou distância.
Triste farol da Ilha Rasa.
Sentimento do mundo. Carlos Drummond de Andrade.
A obra “Sentimento do mundo” termina com o melancólico poema "Noturno à Janela do Apartamento", que metaforiza, em versos conclusivos, a vida como uma corrente sanguínea. O autor nos põe diretamente em contato com sua filosofia de vida, dissertando sobre o sentido da existência: “A soma da vida é nula.
Mas a vida tem tal poder: na escuridão absoluta, como líquido, circula." O autor mostra sua visão pessimista do mundo. Nesta época, ocorria a 2º Guerra Mundial, não havia esperança, não havia otimismo. Conseqüentemente, Carlos demonstra sua falta de confiança com o mundo, onde tudo era apenas “…escuridão absoluta, como líquido, circula. Suicídio, riqueza, ciência...” . Há ainda uma grande dose de melancolia. "Nenhum pensamento de infância,/ nem saudade, nem vão propósito. Somente a contemplação/ de um mundo enorme e parado.". Ele chega até a considerar o suicídio como uma opção válida... No fim de tudo, a última estrofe fala: "Triste farol da Ilha Rasa". E era assim que Drummond se sentia, parado, um farol. Apenas ali a contemplar o mundo, a imensidão, tendo que se manter centrado, fincado.
O poema caracteriza-se pela intensidade lírica, o ritmo métrico (versos de 6,7 ou 8 sílabas métricas) de peculiar tom elegíaco, e a densidade melancólica que utiliza, freqüentemente, como elemento estético, a sombra sugestiva da noite, à maneira de manto de tristeza. Apresenta palavras de um mesmo campo