Nilo Batista
Nilo Batista*
I
Há quase meio século, na fecunda conjuntura dos anos sessenta, germinaram nas ruas e na academia alguns movimentos, dos quais nos interessa destacar três. O mais importante desses três, pelas repercussões sociais e políticas que produziria, foi o feminismo
(caso ainda seja possível abstrair na mera referência de gênero as díspares contribuições e tendências que o constituíram). Num plano mais estritamente acadêmico, o rotulacionismo lavrara o campo para a semeadura da criminologia crítica – caso seja também admissível reunir, sob tal designação, as múltiplas propostas que abandonaram o estéril paradigma etiológico, provindo do positivismo, e instituíram um novo objeto na reação social à infração. Um pouco mais tardio foi aquele movimento, pioneiramente organizado a partir de um grupo de magistrados italianos, que do questionamento do estatuto científico da interpretação jurídica e da percepção das funções políticas da sentença extraiu um uso alternativo do direito que logo influenciaria modelos progressistas de política criminal.
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Professor Titular de Direito Penal da Universidade Federal do Rio de Janeiro e da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro.
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Esses três movimentos nascem e esboçam seus primeiros passos sob o Estado de bem estar (ou Estado previdenciário), no qual o poder punitivo ocupava uma posição secundária. Mesmo entre nós, e mesmo após o golpe de 1964, o sistema penal manteve-se em geral no horizonte previdenciário, com a óbvia ressalva do subsistema policial DOPS/DOI-CODI, aquele conjunto de agências que operou numa espécie de estado de exceção continuado e implícito, arbitrariamente prendendo, torturando e por vezes matando o “inimigo interno” do regime. Se olharmos para a legislação penal dos anos cinqüenta e sessenta (mesmo após 1964), exceção feita aos editos militares sobre segurança nacional,