Meditações metafisicas
1. Todos sabem que Descartes inicia seu itinerário espiritual com a dúvida. Mas é necessário compreender que essa dúvida tem um outro alcance que a dúvida metódica do cientista. Descartes duvida voluntária e sistematicamente de tudo, desde que possa encontrar um argumento, por mais frágil que seja. Por conseguinte, os instrumentos da dúvida nada mais são do que os auxiliares psicológicos, de uma ascese, os instrumentos de um verdadeiro "exército espiritual". Duvidemos dos sentidos, uma vez que eles freqüentemente nos enganam, pois, diz Descartes, nunca tenho certeza de estar sonhando ou de estar desperto! (Quantas vezes acreditei-me vestido com o "robe de chambre", ocupado em escrever algo junto à lareira; na verdade, "estava despido em meu leito").
Duvidemos também das próprias evidências científicas e das verdades matemáticas!
Mas quê? Não é verdade - quer eu sonhe ou esteja desperto - que 2 + 2 = 4? Mas se um gênio maligno me enganasse, se Deus fosse mau e me iludisse quanto às minhas evidências matemáticas e físicas? Tanto quanto duvido do Ser, sempre posso duvidar do objeto (permita-me retomar os termos do mais lúcido intérprete de Descartes, Ferdinand Alquié).
2. Existe, porém, uma coisa de que não posso duvidar, mesmo que o demônio queira sempre me enganar. Mesmo que tudo o que penso seja falso, resta a certeza de que eu penso. Nenhum objeto de pensamento resiste à dúvida, mas o próprio ato de duvidar é indubitável. "Penso, cogito, logo existo, ergo sum". Não é um raciocínio (apesar do logo, do ergo), mas uma intuição, e mais sólida que a do matemático, pois é uma intuição metafísica, metamatemática. Ela trata não de um objeto, mas de um ser. Eu penso, Ego cogito (e o ego, sem aborrecer Brunschvicg, é muito mais que um simples acidente gramatical do verbo cogitare).
O cogito de Descartes, portanto, não é,