Meditações metafisicas
Sempre considerei estes dois problemas: o de Deus e o da alma, como os principais dos que devem ser demonstrados mais pela Filosofia que pela Teologia. Pois, se bem que nos baste a nós fiéis o crer pela Fé que existe um Deus e que a alma humana não morre com o corpo, parece impossível, no entanto, persuadir os infiéis de qualquer religião, e até outrossim de qualquer virtude, se não provarmos primeiro essas duas cousas pelos meios da razão natural; e, como vemos proporem-se nesta vida maiores prémios aos vícios do que às virtudes, poucos ao útil preferirem o justo se não fossem retidos pelo temor de Deus ou pela expectativa de uma outra vida. E se é da maior verdade que devemos crer na existência de Deus porque assim o ensina a Sagrada Escritura, e que, vice-versa, se deve crer na Sagrada Escritura pelo motivo de que vem de Deus; pois sendo a Fé um dom de Deus, quem nos dá a graça para crer no resto pode dá-la também para crermos que existe, tal, no entanto, não o podemos propor aos infiéis, que julgariam achar aqui o erro a que se chama círculo vicioso.
E não deixo de advertir, de facto, que vós e todos os demais Teólogos não só afirmais que a existência de Deus se pode demonstrar pela razão natural, mas também que se infere da Sagrada Escritura que o seu conhecimento é muito mais claro do que aquele que possuímos de muitas cousas criadas; e tão fácil, que os homens que o não têm são culpados. É isto patente no Livro da Sabedoria, Cap. XIII, onde se diz: "a sua ignorância não é perdoável; pois, se tanto puderam avançar no conhecimento das cousas do mundo, como