Maria da penha
I – INTRODUÇÃO
A desigualdade formal, conquistada com a Revolução Francesa de 1789, foi o paradigma da legislação do mundo civilizado no curso do século XIX e por quase todo o século XX. Ao final da Segunda Guerra, o Mundo Ocidental despertou para uma nova realidade: de nada valia a outorga de direitos pelo Estado, se não tinham os titulares formais desses direitos condições de acesso a eles. Para a real aquisição dos direitos outorgados pelo Estado era preciso criar condições de acesso, tarefa que não poderia ser deixada para solução ao Estado do laissez-faire, laissez-passer. Era preciso criar mecanismos que levassem à igualdade substancial de direitos. Assim, despertou-se ao final do século XX para a identificação de grupos fragilizados em razão de fatos adversos por questão de gênero, raça, nacionalidade, credo, etc., ao tempo em que se deu início às políticas públicas identificadas como ações afirmativas, que são, em verdade, a discriminação protetiva de grupos sociais com dificuldade de acesso aos direitos constitucionalmente estabelecidos. Dentre os grupos minoritários de maior expressão social está o discriminado por gênero, não se ignorando que a história da mulher é marcada por uma condição de inferioridade em todos os povos e civilizações, minorada após a Revolução Francesa, mas ainda gritante no século XX. A desigualdade feminina fez nascer na sociedade brasileira, o que não se apresenta como peculiaridade única, sendo uma constante em diversos países, com maior ou menor intensidade, uma cultura de violência oriunda da própria posição de superioridade social do homem, incentivada por razões de poder na divisão do mercado de trabalho e de predominância política e, por fim, pelo silencioso consentimento social, seja das vítimas, seja de terceiros pela cultura de inferioridade da mulher. A violência contra a mulher tornou-se, então, invisível