luto
Era fim de dezembro e faltava menos de uma semana para o Natal. A psicóloga Maria José Amaral se preparava para ir para o trabalho quando a Filha Carolina, de 5 anos, pediu: “Fica comigo hoje, mamãe, não vai embora não!” Paciente, a mãe explicou que precisava trabalhar, mas a menina podia ir com ela ao escritório. Haveria uma festa com Papai Noel para os filhos de funcionários.
Nos anos anteriores, Carolina havia participado, mas daquela vez se recusou. Preferiu ficar com a avó. Quando voltava para casa, após um dia como tantos outros, Maria José passou por um acidente de trânsito. Viu que havia um corpo no chão e comentou com a amiga ao lado: “Gente, é quase Natal, como vai ficar essa família?” Meia hora depois, com um telefonema do ex-marido, ela saberia a resposta. As vítimas do acidente, atropeladas por um ônibus, eram sua mãe e sua filha. “Foi como se o chão se abrisse debaixo de mim, não há tempo que apague essa sensação”, diz. Maria José voltou ao local do acidente, encontrou apenas o corpo da mãe, e chegou a sentir alívio. Correu para o hospital, fantasiando que a Filha ainda estava viva. Procurou médicos e funcionários em busca de informações, mas eles desconversaram. Até que ouviu de um cirurgião a terrível frase: “Fizemos o que era possível”.
A psicóloga saiu dali como um autômato. Cuidou da burocracia do IML e escolheu a roupa do velório da pequenina. Foi só depois do enterro que Maria José acordou para o vazio. Não conseguia estar em casa, diante do quarto da Filha. Ficou duas semanas em casas de amigos. Não conseguia dormir, emagreceu, chorava e repetia o tempo todo que estava sozinha no mundo. Vendeu o carro, pensou em sair do país, mas percebeu que teria de enfrentar a situação. “A gente tem de resolver as coisas internamente. Não adiantaria ir embora e levar os problemas comigo”, diz. Decidiu continuar no mesmo apartamento. A psicóloga trabalhava na recuperação de pessoas atingidas pela violência na Baixada