Londres e Paris no século XIX: o espetáculo da pobreza
INTRODUÇÃO
Nenhuma questão se apresenta mais carregada de compromissos para os literatos do século XIX do que a multidão. Num momento em que o hábito de leitura se espalhava por todas as classes sociais, esse público em formação fazia uma exigência: encontrar sua imagem nos romances que lia. Nas ruas, a multidão é uma presença. Seja na sua dimensão anônima, mecânica de massa amorfa, seja na apreensão de detalhes seus exploráveis até certo ponto, o movimento de milhares de pessoas deslocando-se por entre o emaranhado de edifícios da grande cidade compõe uma representação estética da sociedade. O ímpeto para esquadrinhar e tornar legível esse fluir constante tem muito a ver com uma intenção de conhecimento que implica a prévia experiência do olhar que divide e agrupa, que localiza e designa a identidade das pessoas por seus sinais aparentes.
A RUA E SEUS PERSONAGENS
A multidão, sua presença nas ruas de Londres e Paris do século XIX, foi considerada pelos contemporâneos como um acontecimento inquietante. Milhares de pessoas deslocando-se para o desempenho do ato cotidiano da vida nas grandes cidades compõem um espetáculo que, na época, incitou ao fascínio e ao terror.
O estar submetido a longos trajetos pelas ruas, a pé ou dentro de meios de transporte coletivos, impõe aos olhos a atividade de observar coisas e pessoas; a vida cotidiana assume a dimensão de um permanente espetáculo.
Paris da metade do século configura um espetáculo diurno, por completo diverso daquele que a noite encena. É a hora em que o trabalho desperta. A cena urbana se vê ocupada pela multidão dos trabalhadores. Os personagens da noite são outros. “A noite encantadora” é amiga do criminoso. É bem verdade que a chegada da noite, da “amável noite”, também se faz desejada pelos que trabalharam. Também o barulho da noite se faz com outros sons.
Nessas horas