Leitura
Era a primeira vez na minha vida que eu me fechava dentro de um livro. Antes já me fechara dentro de um armário, na gaveta de uma cómoda, no sótão e na despensa. Agora, afoito e insensato, dava um passo de gigante no meu aventuroso destino de menino dos assombros, e escondia-me dentro de um livro, disposto a permanecer ali o tempo que fosse necessário até a minha mãe desistir de me procurar e até todos me darem definitiva e irremediavelmente como desaparecido.
O livro era agora o meu refúgio e a minha casa, uma casa onde tudo era imprevisível e estranho e onde as letras tinham espessura e cheiro como se fossem humanas. Confesso que me perdi lá dentro, como já antes me perdera no labirinto de esferovite do parque de diversões que animava os meses de Verão da minha terra.
— O que fazes tu aqui se não pertences a esta história? - perguntou-me um espadachim trajando a preceito, enquanto me apontava ao peito o seu aguçado florete.
— Nada, desculpe - respondi -, eu estou aqui de passagem, para fugir aos castigos da minha mãe. Se me tirar isso do peito, eu prometo que saio já do seu caminho.
- É esta a minha sina - ironizou o espadachim: só me aparecem cobardes pela frente. E agora até invocam as mães perseguidoras para escaparem à minha fúria primitiva. Quanto tempo terei ainda de esperar para que me caiba em sorte o duelo que me dê a glória?
Claro que eu não sabia o que havia de responder-lhe. Eu nem sequer sabia que livro era aquele e que personagem era aquela que tentava agora trespassar-me com um afiado florete do mais fino aço. Quantas peripécias e sobressaltos me estariam ainda