Inculturação
Persp. Teol. 32 (2000) 25-39
A FUNDAMENTAÇÃO
DA INCULTURAÇÃO
I
TEOLÓGICA
DA FÉ
A questão de fundo que exige uma reflexão teológica explícita e explica a importância deste estudo aparece dos próprios termos da expressão inculturação da fé. Pois, à primeira vista, estamos diante de duas realidades de ordem diferente, uma religiosa (fé) e outra profana
(cultura). Neste caso estaríamos confrontando duas realidades, estranhas uma a outra, e procurando ver como ambas se relacionam entre si. Tal procedimento seria semelhante ao efetuado no estudo do binômio fé e política, fé e economia, fé e ciência, etc.
Considerando que o Evangelho só nos chega já no interior de uma determinada cultura, a questão de fundo seria então: como pode a fé assumir algo que lhe é estranho sem perder sua identidade? E se esta fé só se encontra já "objetivada" em doutrinas, ritos, comunidades, nascidas inevitavelmente de algum solo cultural, como puderam tais elementos "alheios" à fé terem se tomado suas componentes "próprias", já que embutidas no que denominamos religião cristã?
Este esquema mental considera a fé como algo interior, que busca assumir uma cultura onde possa se expressar. A cultura aparece então como algo exterior, podendo ser trocada por outra que se revelasse mais oportuna. Com isso seria a cultura simples roupagem descartável para a fé, e a fé realidade desencamada e inexprimível.
Naturalmente devemos afirmar a distinção entre fé e cultura, ou religião e cultura. Mas quando se trata de explicitar em que diferem, muitos não conseguem escapar à tentação do dualismo. Cultura provém do ser humano; religião, de Deus. Cultura é algo natural; religião, sobrenatural. Cultura concerne à vida social; religião, à vida espiritual.
Cultura humaniza o homem; religião o salva1•
Esta perspectiva dualista é fonte de muitas querelas no interior do cristianismo. Alguns falam de uma mundanização da fé pelo contato com a cultura imperial ou com o mundo