Ideologia
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02 – Poema de Carlos Drummond de Andrade
Eu, etiqueta
Em minha calça está grudado um nome
Que não é meu de batismo ou de cartório
Um nome... estranho.
Meu blusão traz lembrete de bebida
Que jamais pus na boca, nessa vida,
Em minha camiseta, a marca de cigarro
Que não fumo, até hoje não fumei.
Minhas meias falam de produtos
Que nunca experimentei
Mas são comunicados a meus pés.
[...]
Meu isso, meu aquilo.
Desde a cabeça ao bico dos sapatos,
São mensagens,
Letras falantes,
Gritos visuais,
Ordens de uso, abuso, reincidências.
[...]
E fazem de mim homem-anúncio itinerante,
Escravo da matéria anunciada.
Estou, estou na moda.
É duro andar na moda, ainda que a moda
Seja negar minha identidade,
[...]
Agora sou anúncio
Ora vulgar ora bizarro.
Em língua nacional ou em qualquer língua
(Qualquer principalmente.)
Eu é que mimosamente pago
Para anunciar, para vender
[...]
Saio da estamparia, não de casa,
Da vitrine me tiram, recolocam,
[...]
Meu nome novo é Coisa.
Eu sou a Coisa, coisamente.
(Carlos Drummond de Andrade, 1984)
Significado de algumas palavras:
Proclama: anúncio
Açambarcando: apropriando-me;
Bizarro: estranho, extravagante, esquisito
Pérgulas: abrigos em jardim, construídos com duas colunas e uma cobertura