hanna arendt
O Labor
A distinção entre o trabalho produtivo e improdutivo contém, embora eivada de preconceito, a distinção mais fundamental entre trabalho e labor. Realmente, é típico de todo labor nada deixar atrás de si: o resultado do seu esforço é consumido quase tão depressa quanto o esforço é despendido. E, no entanto, esse esforço, a despeito de sua futilidade, decorre de enorme premência; motiva-o um impulso mais poderoso que qualquer outro, pois a própria vida depende dele. A era moderna em geral e Karl Marx em particular, fascinado, por assim dizer, pela produtividade real e sem precedentes da humanidade ocidental, tendiam quase irresistivelmente a encarar todo o labor como trabalho e a falar do animal laborans em termos muito mais adequados para eliminar totalmente o labor e a necessidade. (Pág. 98)
Embora sua origem possa ser encontrada na Idade Média, a distinção entre trabalho manual e intelectual é moderna e tem duas causas bastante diferentes, ambas as quais, porém, são igualmente características do clima geral da era moderna. Uma vez que, nas condições modernas, toda ocupação deveria demonstrar sua “Utlidade” para a sociedade em geral, e como a utilidade das ocupações intelectuais se tornara mais que duvidosa dada a moderna glorificação do trabalho, era apenas natural que também os intelectuais desejassem ser considerados como membros da população trabalhadora. Ao mesmo tempo, porém, e em contradição apenas aparente com este fato, a necessidade e a estima da sociedade em relação a certas realizações intelectuais”aumentaram de modo sem precedentes em nossa história, com a exceção dos séculos de declínio do Império Romano. Convém lembrar, neste contexto, que, em toda a história antiga, os serviços intelectuais dos escribas, quer atendessem as necessidades da esfera pública ou da esfera privada, eram realizados por escravos e classificados como servis. Somente a burocratização do Império Romano e a concomitante elevação política e social dos