Estamira
Psicólogos e psiquiatras costumam usar com cautela o termo “loucura”, palavra tão contaminada de preconceitos que ficou com trânsito prejudicado nos textos científicos. Mesmo assim, é uma palavra de uso comum no jornalismo e na linguagem diária, para envolver todos os fenômenos de desajuste mental por que passam as pessoas.
Estamira é uma mulher que vive de catar lixo no Rio de Janeiro, no que é considerado o maior aterro sanitário da América Latina. Quando fazia uma reportagem cinematográfica sobre o aterro, Marcos Prado a conheceu, interessou-se pelo seu modo de falar e pelas histórias que contava, e daí em diante passou quatro anos acompanhando-a em filmagens no próprio aterro e na casa dela.
Estamira é saudável o bastante para ser autorizada a viver sozinha num barraco, trabalhar, ir ao Posto de Saúde por conta própria, medicar-se sem auxílio. Sua “loucura” é na verdade uma soma de vários fatores: a falta de conexão ou de sentido no seu discurso verbal; a sua crença aparente em fatos imaginários e situações inverossímeis; seus eventuais descontroles motivos que resultam em crises de agressividade ou de depressão. Isolados, nenhum desses sintomas seria o bastante para classificá-la como doente mental. Somados uns aos outros, pesam o bastante para empurrá-la na direção de uma zona crepuscular onde se situam todos aqueles
Estamira parece pertencer a um grupo de loucos que encontramos de vez em quando: pessoas que têm consciência bastante para reconhecer sua própria condição de desequilíbrio, mas criam em cima dela uma espécie de encenação permanente, deliberada, como se assim ficassem mais confortáveis consigo mesmas assim do que se tentassem pertencer ao mundo dos “normais”.
“Bem... a deficiência mental eu acho que tem o que é imprestável, né... Quem tem problema mental, bem, perturbação também é, né? Perturbação, depois eu tive pensando: perturbação também é, mas não é deficiência, né? Perturbação é perturbação.