Dizia, então, Vilhena, na Carta Terceira: "Não deixa de ser digno de reparo ver que das casas mais opulentas desta cidade, onde andam os contratos e negociações de maior porte, saem oito, dez e mais negros a vender pelas ruas, a pregão, as coisas mais insignificantes e vis: como sejam, mocotós, isto é mãos de vaca, carurus, vatapás, mingaus, pamonhas, canjicas, isto é, papas de milho, acassás, acarajés, abarás, arroz de coco, feijão de coco, angus, pão-de-ló de arroz, o mesmo de milho, roletes de cana, queimados, isto é, rebuçados a oito por um vintém e doces de infinitas qualidades, ótimos, muitos pelo seu aceio, para tomar por vomitórios; o que mais escandaliza é uma água suje feita com mel e certas misturas que chamam aluá que faz por vezes de limonada para os negros." Essa por acaso longa citação mereceria uma análise demorada - que não posso sequer tentar aqui. Quero apenas ressaltar que nesse elenco de comidas vendidas nas ruas da Bahia, no fim do século XVIII, em meio de alimentos basicamente indígenas, da doçaria de origem portuguesa e de pratos já então 'brasileiros', está uma amostra considerável de pratos africanos, tipicamente africanos, como o acarajé, o acassá, o vatapá e o abará, que hoje, duzentos anos depois, continuam a ser vendidos nas ruas da Bahia e por outras cidades do Brasil. Mas, por esse tempo - fins do século XVIII -, começava a se organizar, em comunidades estruturadas, na Bahia, o sistema religioso dos escravos de origem fon e iorubá, chamados na Bahia de jejes e nagôs - dos últimos a ser introduzidos no país pelo tráfico escravista. Há referências documentais de grupos religiosos anteriores, formados de escravos de origem banto, tanto na Bahia como nas áreas de mineração das Minas Gerais. Mas, na Bahia, no fim do século XVIII esse processo de organização das comunidades religiosas se inicia para além das devoções individuais e domésticas dos escravos e libertos. (...) Esses grupos se reuniam, e assim se estruturavam, no próprio centro