Crítica social ou niilismo
Crítica Social ou Niilismo?
O “trabalho do negativo”: de Hegel e Leopardi até o presente
Anselm Jappe
As sociedades modernas geralmente preferiram tirar proveito de seus críticos ao invés de encarcerá-los. Quando a crítica era “construtiva” – e em geral se esforçava em sê-lo – os administradores da sociedade a escutavam de bom grado. Ainda assim, restavam sempre algumas pessoas cujo descontentamento com as condições de vida dominantes adquiria o ímpeto de uma recusa global, pela qual estavam dispostas a lançar-se contra o existente ainda sem dispor de qualquer alternativa imediata, apresentando a destruição da ordem estabelecida como um valor em si mesmo. Para este tipo de crítica impossível de ser integrada, se tem sempre à disposição a acusação de “niilismo”, e não apenas quando se trata do terrorismo de revolucionários como os
Ravachol e Nechaiev no século XIX. Por outro lado, a crítica social radical, ainda que quase nunca tenha aceitado o qualificativo de “niilista”, também encampou a bandeira da negação: a negação não apenas de algum aspecto, ou de uns poucos aspectos do existente, aos quais pudessem se opor outros momentos positivos, mas a negação do existente em todos ou quase todos os seus aspectos, desde o modo de produção até a família, da religião até o Estado, da cultura até as formas mais moderadas de oposição.
Antes que surgisse, para o século XIX, a sociedade industrial, semelhante questionamento total do mundo se manifestava somente nas revoltas de caráter religioso, apocalíptico ou messiânico, sendo a última delas a Revolução Inglesa. A paligênese a que aspiravam as correntes radicais de tais movimentos, como os anabatistas de Thomas Münster ou os Irmãos do Livre Espírito, ia com freqüência muito além dos sonhos mais audazes dos seus sucessores modernos. Mas o seu horizonte não era niilista, muito pelo contrário: era um horizonte “pleno”, que se propunha em termos