Crítica ao livro "A Sangue Frio"
Ainda o livro não tinha sido lançado, já Capote se gabava de “A Sangue Frio”. Na verdade, Truman Capote revelou ser mais do que um indivíduo com o dom da palavra, tornando-se pioneiro num estilo literário inovador, assente na fusão de algumas caraterísticas ligadas à objetividade jornalística com a narrativa literária. Conseguiu a proeza de aliar dois conceitos que, em princípio, seriam antagónicos. Como quem pega em duas crianças e diz “vá, agora sejam amigos”. Deu origem ao “romance não-ficção” e compõe um dos alicerces mais importantes do tão falado Novo Jornalismo. Meia dúzia de anos - entre viagens de avião e dezenas de entrevistas - foi o tempo dedicado à obra, que constitui o culminar de uma investigação de cariz jornalístico minuciosa e exemplar, motivada pela curiosidade de um escritor comprometido com a sua profissão.
Uma das personagens principais, Herbert Clutter, chefe de uma família abastada, porém simples, e fazendeiro de sucesso, mantinha junto de si a sua esposa, Bonnie, a sua filha Nancy de 16 anos e o seu filho mais novo, Kenyon, de apenas 15 anos. Nada fazia prever o malévolo acontecimento que pôs termo às suas vidas. Aliás, relativamente à estória propriamente dita, o que começou por captar a minha atenção desde as primeiras páginas foi o facto de, num meio tão pequeno e íntimo como a pequena cidade de Holcomb - no estado do Kansas - é apresentada ao leitor, a par com o modo como a família era respeitada e acarinhada por todos, representativa de valores como a honra, a dignidade e o respeito; dão ao mesmo tempo forma e contexto a um crime tão brutal e tão energúmeno. Surpreendentemente, com o desenvolvimento temporal da estória e à medida que se dão a conhecer mais e melhor os traços de personalidade da dupla de criminosos, é praticamente inevitável o espoletar de um sentimento de compaixão. Isto acaba por ser algo contraditório, ao ter a perfeita noção do ato horrível que foi cometido. Todavia, existem