Criminalidade
*Hélio Peregrino
(Jornal "Folha de São Paulo", Folhetim, 07 de outubro de 1984)
O velho presidente Washington Luiz, derrubado pela Revolução de 30, costumava dizer, do alto de sua prosápia conservadora, que a questão social é um caso de política.
Da década de 20 até hoje, passaram-se cerca de 60 anos. Neste longo prazo, um número crescente de brasileiros adquiriu ferramentas intelectuais e críticas para desmoralizar tão insólito, retrógrado - e tosco - aforismo.
Ocorre, não obstante, que há brasileiros que, ainda hoje, acreditam nele. E, o que é mais grave: a polícia de nossos dias parece crer que a questão social é um caso de polícia. Basta ver a violência policial contra o direito de greve, considerado, não como prerrogativa democrática da classe trabalhadora, mas como manifestação de delinqüência, a ser reprimida a ferro e fogo.
A definição do falecido presidente me vem à memória na medida que começo a pensar o problema da criminalidade e sua articulação com o aparelho repressivo do Estado. A criminalidade, fora de qualquer dúvida, é uma questão social, ou melhor: faz parte íntima e constitutiva da questão social. Dizer-se que ela é apenas um caso de polícia é tão obtuso, estúpido e retrógrado quanto afirmar que a questão social é um caso de polícia.
A bem da clareza, é necessário distinguir entre os conceitos de crime e criminalidade. O crime está para a criminalidade assim como a doença isolada está para a endemia - ou a epidemia. Por melhores - e mais avançados - que sejam os recursos da medicina, haverá sempre doenças e doentes, embora isto não signifique a sobrevivência, para sempre, das endemias e epidemias.
Expulsos do paraíso
O crime é uma possibilidade constitutiva e inarredável do ser da existência humana. Sempre haverá crime no mundo, porque o homem é, em seu centro, indeterminação e liberdade. Por termos dado o salto da natureza para a cultura, fomos expulsos do Paraíso, perdemos o mapa da