COMENTARIOS DO ARTIGO 187 DO CÓDIGO CIVIL
Nessa primeira década do século XXI, uma velha teoria voltou com particular força, renovando alguns aspectos do direito brasileiro. Refiro-me ao abuso de direito, também conhecido como exercício irregular de direito. O Código Civil, no art. 187, prevê a figura do abuso de direito, nos seguintes termos: “Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”. Temos, aqui, um direito cujo exercício excede os limites do razoável, tornando-se ilícito. Trata-se de dispositivo legal inspirado no Código Civil português, cujo artigo 334 traz norma jurídica bastante semelhante. Os códigos civis, mundo afora, prevêem, com algumas variantes, o abuso de direito, repudiando a utilização indevida de uma faculdade jurídica formalmente estabelecida. Mesmo antes da consagração explícita pelo Código Civil de 2002, o abuso de direito já era vedado (sobre o tema, seja-nos permitido remeter ao nosso “Teoria dos Ilícitos Civis”. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 123). A jurisprudência já o reconhecia em inúmeros casos. Um dos primeiros, em termos históricos, ocorreu na Alemanha. Um nobre, cuja esposa houvera falecido, a enterrou no castelo de sua propriedade. O filho do casal, anos depois, manifestou o desejo de visitar o túmulo da mãe, tendo sido impedido pelo pai, com quem estava brigado. O pai, declarando ser o castelo de sua propriedade, disse que ali só entraria quem ele quisesse, impedindo assim o acesso do filho ao túmulo onde sua mãe estava enterrada. A jurisprudência alemã, em decisão inédita, facultou o acesso do filho ao túmulo, entendendo haver na recusa do pai abuso do direito de propriedade.
Em outro conhecido caso, ocorrido na França, mais de um século atrás, um vizinho construiu em sua propriedade enormes e pontiagudas torres de madeira, que não tinham nenhum propósito ou utilidade, senão furar os balões e dirigíveis de