Cinema Brasileiro - Glauber Rocha
Por Glauber Rocha
Para apresentar as intenções e motivações dessa Estética da Fome – ou Estétyka da Fome, como Glauber preferia grafar esse texto fundamental para a compreensão do projeto cultural dos cineastas brasileiros naqueles anos 60 – a melhor opção é citar Ismail Xavier:
Da fome. A estética. A preposição da, ao contrário da preposição sobre, marca a diferença: a fome não se define como tema, objeto do qual se fala. Ela se instala na própria forma do dizer, na própria textura das obras [...] passa a ser assumida como fator constituinte da obra, elemento que informa a sua estrutura e do qual se extrai a força da expressão, num estratagema capaz de evitar a simples constatação (somos subdesenvolvidos) ou o mascaramento promovido pela imitação do modelo imposto (que, ao avesso, diz de novo somos subdesenvolvidos).
A influência maior do artigo de Glauber sobre O Profeta da Fome de Capovilla está aí resumida: em ambos, a cultura como ordenação da realidade através de símbolos. No circo, antes lugar do limpo e do belo, agora também chegam a fome e a dilaceração existencial e física daqueles corpos famintos, sujos e violentos – e aí não há como não fazer a analogia com a frase mais famosa da Estética: "nossa cultura nasce da fome".
A Estética da Fome foi originalmente apresentada em 1965, durante as discussões da Resenha do Cinema Latino-Americano de Gênova, naquele ano dirigidas pelo tema "O paternalismo do europeu em relação ao Terceiro Mundo" – e por aí já se pode verificar o quão incisivas eram suas propostas. Como explica Arnaldo Carrilho:
No texto se encontrava algo a mais que a denúncia das misérias latino-americanas – prato suculento para o humanismo colonizador. Encontrava-se aqui enunciado, e anunciado, de maneira clara e irrefutável, o conceito de arte revolucionária, essência da cultura do Terceiro Mundo. Encontrava-se definida a força criadora do delírio da fome, única forma de compreensão desta cultura.
O artigo