Chora brasília - conto
Choro lágrimas de uma mão ferida
Pelos meus próprios filhos
Que sugaram sofregamente de minhas tetas, hoje flácidas,
O leite que alimentou insaciáveis bocas.
Apossaram-se de mim vendilhões
Travestidos em deputados e senadores
Que me cortaram aos pedaços e me multiplicaram
Em cidades e condomínios que entopem minhas veias
Com milhões de carros parados em engarrafamentos intermináveis
Choro de vergonha por ter sido tão hospedeira, como quase toda mãe.
E meus hóspedes, em meus aposentos, roubam dinheiro que destinaram
À saúde e à educação de meus filhos que andam amedrontados
Presas fáceis nas ruas ou entre muros eletrificados
Choro e sofro tanto por me dizerem moderna
E manterem comigo tantas mazelas do passado
Em minhas dependências são arquitetadas negociatas
Entre whiskies e acepipes dividem comissões milionárias
Choro por pensarem que todos meus filhos são faltosos
Que se fazem deputados e senadores para causarem dores
Alguns, e são muito poucos, cuidam de mim em meus estertores
Bons filhos que cuidam de meus canteiros e riachos que me circundam
Choro, às vezes, de alegria de saber amada por poetas
Que me acham eixosa, aérea e monumental
Falam de meus traços, e tesourinhas que cortam o asfalto superfaturado.
Voou na imaginação dos que se embriagam
Nas entre-quadras e quebradas desse planalto
Com Planos e altiplanos danos e desenganos
Choro lágrimas de desgosto de agosto a setembro
Quando só me lembro de chuva e umidade
Tornando-me fértil para bronquites e sinusites
Alergias dermatites e outras ites
Meus filhos ansiosos, esperam pelo canto da cigarra
Que chega com o florear dos ipês roxos e amarelos Quando enfim me mostro perfumada, floreada e molhada
Choro por ter parido tantas filhas
Que pariram outras sem controle de natalidade
Expandi-me na Cidade Livre cheia de Bandeirantes
Vieram Taguatinga, Ceilândia e uma Gama de cidades
Cheias de Sobradinhos que chegam a Paranoá
Infestadas de tantos