Bocage
A obra de Bocage, considerada como obra de transição, perspectiva-se numa contradição entre uma linguagem, processos e formas tipicamente arcádicas e uma mundividência por vezes marcadamente romântica. Tendo recebido uma formação inicial neoclássica e tendo sido, embora por pouco tempo, membro da Nova Arcádia, de temperamento rebelde, aderiu aos ideais da Revolução Francesa, abandonou essa Academia e seguiu um caminho próprio, dando forma às vicissitudes da sua vida e ao forte individualismo que sempre o orientou. Deste modo, no universo poético bocagiano coexistem, por um lado os artifícios típicos da estética arcádica como o recurso a personificações, alegorias ou mesmo a presença de figuras e factos de tradição mitológica greco-latina e, por outro, surge toda uma organização da sua poesia em torno de temas fundamentalmente abstractos como o Amor e a Morte. Na verdade, Bocage tem traços em comum com o gosto romântico como a aguda consciência do “Eu”, a perseguição de um destino infeliz, a submissão total ao Amor, quase divinizado pelo poeta e oposto à razão. Emerge, ainda, o prazer da solidão, das paisagens sombrias, a confiança em profecias e agouros que se traduzem, ao nível da linguagem, numa certa busca vocabular das formas mais impressionantes e mais capazes de corresponderem à intensidade subjectiva. Paralelamente, Bocage é ainda, em muitos aspectos, um intelectual setecentista pois, a par dos traços românticos já apontados, notam-se as marcas do pensamento filosófico e estético dominante na época, visíveis numa concepção racionalista do amor, do universo e da religião. A razão, força motora de todo o pensamento setecentista, nunca aparece conotada negativamente na sua poesia, nem mesmo quando o seu auxílio é impotente para o libertar da sujeição amorosa - a predestinação para o amor, se o leva a opor por vezes o sentimento à razão, não o faz nunca negar o valor daquela razão, não o faz negar como instrumento