Análise endechas a bárbara escrava
Nesta composição, como em outras, nas quais descreve mulheres amadas, o poeta retrata a Cativa mais do ponto de vista moral que físico, dando ênfase a pólos contrastantes como: “cativa-cativadora”; “cativa-Senhora”; “pretidão-brancura de neve”. “Assim, Camões constrói um retrato impreciso quanto ao aspecto físico de Bárbara, privilegiando os componentes morais e espirituais de sua personalidade: “olhos sossegados”, “ua graça viva”, “doce figura”, leda de costumes bárbaros”, “presença serena”, “cativa submissa que me tem cativo”, “leda mansidão”, etc.
Bárbara escrava afirma-se como uma mulher exótica, primitiva, mas dotada de extraordinária leveza, de uma suavidade marcadamente espiritualizada e superior, semelhante ao perfil de mulher exaltado por Petrarca. Todavia, o negror dos seus olhos, a pretidão da sua pele e dos seus cabelos, assinalam o imensurável distanciamento da Cativa em relação ao tipo de Mulher – branca, loura, de faces rosadas - introduzida na literatura pela poesia petrarquiana. Laura era o modelo, a moda e a paixão lírica dos poetas que, como Petrarca, atribuíam à mulher loura e branca o protótipo da beleza ideal.
Camões ousadamente rompe com esse modelo consagrado erigindo seu canto de exaltação à uma negra de pele e cabelos escuros, por quem se sentia atraído, como está bem evidente nas primeira e última estrofes do poema, por meio dos trocadilhos que usou: “aquela cativa que me cativa / porque nela vivo já não quer que viva”; “Esta é a cativa que me tem cativo/ e, pois nela vivo, / É força que viva”.
De certo modo, a Cativa se assemelha à mulher presente nas cantigas dos trovadores medievais e na poesia clássica, ou seja: a mulher inacessível, endeusada, cuja graça mais sedutora está no olhar, nos “olhos sossegados”, descrito pelo poeta como “Ua graça viva / que neles lhe mora. / Para ser Senhora de quem é cativa”. Assim, pelo poder de sedução que emana de sua pessoa, Bárbara Cativa torna-se “Senhora”