ambiguidade da moral colonial
Helen Ulhôa Pimentel*
Resumo: Esse texto busca em dois conjuntos de leis vigentes no período colonial – Ordenações do Reino de Portugal e Constituições Diocesanas – as matrizes de sentido que irão nortear a constituição, no Brasil, de uma moral cindida por representações sociais de gênero, etnia e posição social. Neles, práticas ligadas à sexualidade, como casamento, adultério, concubinato, incesto e estupro, são definidas em conformidade com os princípios de rígida hierarquização social e de gênero. Estas normas são analisadas e confrontadas com situações de fato, encontradas principalmente em documentos do Tribunal
Eclesiástico em Minas Gerais relativos ao século XVIII.
Palavras-chaves: Sexualidade. Normatização. Transgressão.
As Ordenações Filipinas, que entraram em vigor em fins do século XVI, constituíram o mais duradouro código legal português. No Brasil, esteve em vigor mesmo após a independência, sendo que o livro V foi o primeiro a ser substituído pelo Código do Processo Criminal em meados do século XIX (LARA, 1999, p. 34).
As Ordenações, de acordo com a tradição portuguesa, reuniram todas as leis do Reino em cinco volumes, sendo o último dedicado ao direito penal, estipulando os crimes e suas respectivas penas. Nele encontramos tudo Este artigo é parte integrante da dissertação de mestrado A construção das diferenças: casamento e sexualidade em Paracatu, MG, no século XVIII, realizada por meio de bolsa do CNPQ.
* Doutora em História pela Universidade de Brasília (UnB), professora do Centro
Universitário de Brasília (UniCEUB) e da Universidade Estadual de Montes Claros
(Unimontes). helenulhoa@hotmail.com
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Univ. FACE, Brasília, v. 4, n. 1/2, p. 29-63, jan./dez. 2007
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Helen Ulhôa Pimentel
aquilo que era considerado contravenção, ilegalidade e o que foi definido como crime, objeto de punição ou proibição. O sistema de punições era ambíguo, e os privilégios sociais