00 Mae E Uma So Claudia Fonseca
MÃE É UMA SÓ? REFLEXÕES EM TORNO DE ALGUNS CASOS BRASILEIROS
Claudia Fonseca1
Universidade Federal do Rio Grande do Sul O fato de as camadas abastadas terem adotado, nas últimas décadas, a família nuclear conjugal como norma hegemônica, sem dúvida, explica por que existe uma tendência de ver qualquer desvio dessa norma como problemático. No entanto, pela evocação de casos etnográficos, sugiro nesse artigo que a hegemonia dessa norma não se exerce com a mesma força em todas as camadas sociais. Ainda mais, aponto para a possibilidade de dinâmicas familiares "alternativas" que, apesar de não se encaixarem no modelo dominante de família, gozam de popularidade e até de legitimidade entre determinados setores da sociedade. Nesse caso, a compreensão da vida familiar no Brasil contemporâneo exigiria do observador um esforço para considerar, além da norma hegemônica, essas dinâmicas alternativas, sendo a circulação das crianças em grupos populares apenas um exemplo.
Descritores: Crianças adotivas. Mães. Família. Já faz alguns anos, num almoço com colegas da faculdade, a conversa virou para um assunto que me interessava sobremaneira. Uma amiga, sabendo das minhas pesquisas sobre a circulação de crianças2 entre famílias de grupos populares, começou a falar de sua própria infância. Nascida em 1955, numa família interiorana nada pobre, foi "dada", depois da separação dos pais, para uma tia paterna - uma professora desquitada que acolheu a menininha como dádiva. Assim, ao mesmo tempo que manteve contato quase diário com seu pai e a avó paterna (com quem sua tia morava), ela cresceu ciente que tinha duas "mães".
Alguns dias depois dessa conversa, outra colega, coincidentemente do mesmo departamento, surpreendeu-me com um novo depoimento pessoal. Sua família, sustentada pelo pai caminhoneiro, gozava de um padrão razoável de vida. Mesmo assim, sua mãe, encontrando-se com cinco crianças pequenas e o marido