O uso ritual da ayauasca
RESENHAS
CONKLIN, Beth A. 2001. Consuming grief. Compassionate cannibalism in an Amazonian society. Austin: University of Texas Press. 285 pp.
Els Lagrou
PPGSA-IFCS-UFRJ
O título do livro da antropóloga americana Beth Conklin, Consuming grief. Compassionate cannibalism in an Amazonian society, contém na sua primeira parte uma armadilha para o leitor e uma dúvida para o tradutor: deve-se traduzir consuming grief por “O luto (ou a dor) que consome” ou por “Consumindo o luto (a dor)”? A segunda parte do título leva a supor que a segunda opção seja a mais correta, pois completa o título explicitando que o livro trata do “Canibalismo por compaixão em uma sociedade amazônica”. Só que a armadilha não parece ter sido colocada por engano; o livro quer exatamente mostrar que para o povo que se autodenomina Wari’ (nós, gente) e que era comumente conhecido como Paaka Nova, a prática endocanibalística, de comer os próprios mortos, visava exatamente esse efeito, o de transformar um luto devastador, um luto que consumia os vivos, em um consumo que ajudasse os enlutados e o próprio morto a lidar com a perda, a não se deixar levar pelo luto. A idéia expressa neste livro não deixa dúvida com relação à convicção
wari’ de que era através da transformação e aniquilamento ritualizado do corpo do morto, vivenciado e visualizado por todos os parentes próximos e realizado como favor e com muita resistência por afins próximos, que se operava antigamente (até o contato com os brancos, que se deu para alguns Wari’ somente a partir do final dos anos 50, início dos anos 60, para outros mais cedo) uma mudança profunda na relação entre o morto e os enlutados. Ver a pessoa transformar-se em não-pessoa ajudaria os enlutados a aceitar a morte, pelo menos a encará-la como um fato incontornável. Esse elaborado processo de fazer desaparecer o corpo da pessoa morta se situa em uma cosmologia que vê na destruição de um corpo morto a possibilidade de adquirir um