O Render dos Heróis
O Render dos Heróis de José Cardoso Pires, publicado em 1960, constitui o primeiro texto teatral português de estrutura épica, a «narrativa dramática em 3 partes e uma apoteose grotesca» (Pires 1970). Nesta narrativa dramática recupera-se acontecimentos históricos do século XIX - o levantamento popular da Maria da Fonte contra o governo cartista de António Bernardo da Costa Cabral (1846) - para fazer deles uma «máscara transparente de uma subtil desmontagem dos mecanismos do poder e da capacidade de resposta das massas populares» (Rebello 1984: 112). Como afirma Luiz Francisco Rebello, a representação desta peça teatral marcou uma data importante na evolução da dramaturgia portuguesa.
A obra de José Cardoso Pires inscreve-se na linha do teatro épico de Bertold Brecht, onde não se actua mas se narra. Adapta também a proposta brechtiana de um distanciamento, que ocorre em duas dimensões. Primeiro, o actor distancia-se da personagem que interpreta.
Em segundo lugar, o espectador distancia-se daquilo que vê. A distância permite uma observação crítica. O teatro brechtiano coloca-se numa posição oposta à tragedia aristotélica que pretendia uma catarsis devido à identificação do espectador com o herói trágico. Na proposta de Brecht, o objectivo é recordar ao público ao actor que a peça teatral é uma ficção. Como declara Sonia Mattalía, «para Brecht, la escena cuenta, la sala juzga, la escena es épica, la sala es trágica» (Mattalía 2008: 755). Podemos então concluir que a proposta de Brecht é uma revivificação de um teatro cívico, em que o palco é sempre um objecto de um Tribunal que está na sala (2008: 755).
Assim sendo, à luz de certos processos assimilados ao teatro de Brecht, O Render dos Heróis ficciona uma analogia entre problemas actuais do seu autor e o levantamento da Maria da Fonte.
Resumo: Nos anos sessenta o drama histórico foi um dos subgéneros predominantes no teatro português e um dos meios do protesto contra o regime. Esta