O que é ciência
John Sommerville
Caro Senhor
Tomo a liberdade de me dirigir a si rogando-lhe que seja o juiz numa disputa entre mim e uma pessoa minha conhecida que já não posso considerar um amigo. A questão em discussão é a seguinte: É a minha criação, a guardachuvalogia, uma ciência? Permita-me que explique a situação. De há dezoito anos para cá que, conjuntamente com alguns fieis discípulos, venho recolhendo informações relacionadas com um objecto até agora negligenciado pelos cientistas — o guarda-chuva. O resultado da minha investigação, até à presente data, encontra-se reunido em nove volumes que vos envio separadamente. Deixe-me, antecipando a sua leitura, descrever brevemente a natureza dos conteúdos aí apresentados e o método que empreguei na sua compilação. Comecei pelas ilhas. Passando de quarteirão em quarteirão, de casa em casa, de família em família, de indivíduo em indivíduo, descobri: 1) o número de guarda-chuvas existentes, 2) o seu tamanho, 3) o seu peso, 4) a sua cor. Tendo coberto uma ilha, passei às restantes. Depois de muitos anos, passei à cidade de Lisboa e, finalmente, completei toda a cidade. Estava então pronto a continuar o trabalho passando para o resto do país e, posteriormente, para o resto do mundo.
Foi neste ponto que me aproximei do meu amigo de outrora. Sou um homem modesto, mas senti que tinha o direito de ser reconhecido como o criador de uma nova ciência. Ele, por outro lado, afirmou que a guardachuvalogia não era de todo uma ciência. Primeiro, disse ele, é uma tolice estudar guarda-chuvas. Este argumento é mau, uma vez que a ciência se ocupa de todo e qualquer objecto, por muito humilde e abjecto que seja, até mesmo da «perna de trás de uma pulga». Sendo assim, por que não guarda-chuvas? Depois, ele afirmou que a guardachuvalogia não poderia ser reconhecida como uma ciência porque não trazia qualquer benefício ou utilidade para a sociedade. Mas não será a verdade a coisa mais preciosa na vida? E não estão os