O que há em mim é sobretudo cansaço
O que há em mim é sobretudo cansaço
Não disto nem daquilo,
Nem sequer de tudo ou de nada:
Cansaço assim mesmo, ele mesmo,
Cansaço.
A subtileza das sensações inúteis,
As paixões violentas por coisa nenhuma,
Os amores intensos por o suposto alguém.
Essas coisas todas
Essas e o que faz falta nelas eternamente -;
Tudo isso faz um cansaço,
Este cansaço,
Cansaço.
Há sem dúvida quem ame o infinito,
Há sem dúvida quem deseje o impossível,
Há sem dúvida quem não queira nada-
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
Porque eu amo infinitamente o finito,
Porque eu desejo impossivelmente o possível,
Porque eu quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
Ou até se não puder ser...
E o resultado?
Para eles a vida vivida ou sonhada,
Para eles o sonho sonhado ou vivido,
Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto...
Para mim só um grande, um profundo,
E, ah com que felicidade infecundo, cansaço,
Um supremíssimo cansaço.
Íssimo, íssimo. íssimo,
Cansaço...
O poema que vamos analisar de seguida insere-se na 3ª fase da poesia de Álvaro de Campos - a fase do pessimismo, da abulia, do tédio e da angústia existencial.
O tema do poema é, portanto, o cansaço do sujeito poético face à vida, face à realidade em que vive. * O poema apresenta um ritmo lento, ausência de rima (verso livre), irregularidade de versos por estrofe e aliteração em “s” (“Essas coisas todas” (v.9)). * O poema pode ser dividido em quatro partes lógicas (correspondentes às quatro estrofes). * Na primeira estrofe (primeira parte lógica), o sujeito poético refere que se sente cansado com o que o rodeia. A causa do seu cansaço não é isto ou aquilo, nem ter feito tudo ou não ter feito nada, ele sente-se simplesmente cansado, no sentido literal. Contrariamente ao que referiu na primeira parte do poema. * Na segunda estrofe (segunda parte lógica do poema), o “eu” indica as razões do seu cansaço: "A subtileza